domingo, 10 de maio de 2009

SEM TÍTULO (1979)


Verde campo de solo nú,
Escuridão de estrelas de sol,
Rosa azul sem espinho,
Deito-me, só, no leito dum mar vermelho,
Respiro ar de fogo líquido
E finjo esquecer o que lembro.

Ternura de espada em punho,
Ardor sem chama,
Ódio feito de amor puro.
Sonho com o novo real velho,
Abro o peito a sensações fechadas
E finjo lembrar aquilo que esqueço.

As horas passam num relógio parado.
Eu caminho sobre pés que não possuo.
Farsa.
Ilusão.
Vida.

SEM TÍTULO (1979)


Não quero pensar em nada.
Ah, ficar vazia, leve!
Não quero imiscuir-me no alheio,
No mundo que não me pertence,
Em mim mesma,
Em ti...
Não, não quero.
Desejo ficar neste lugar, só,
Sem luz, nem música,
De braços cruzados,
Olhos obstinadamente enxutos,
Rosto escondido.
E não pensar.
A vida que lá fora vai,
A vida que em mim parece mandar,
Não me interessa nem atrai.
É-me indiferente...
É-me indiferente
Se de fome alguns morrem,
Se há guerra,
Se as flores do parque calcam,
Se vivo ou simplesmente vegeto,
Se sou eu ou um mero objecto.
Não importa!
Nem as censuras ternas e piedosas
Que me possam fazer.
Não as ouvirei.
Há em mim a planta da traição
Que alguém semeou...
E eu dou-lhe água para crscer,
Para falar!
Pois não posso deixar de pensar
Que alguém me enganou.
Ah, mente humana...
Mente humana que tão facilmente mente.

SEM TÍTULO (1979)


Quis crer
Que de ti longe estava,
Que a noite era doirada,
O luar de fogo...
Quis crer
Que a dor era mel,
E a alegria o fel..
Que mais quis crer?
Quis crer
Na dúvida que em mim
Como certeza brotava.
Quis crer
Que tu me ouvias
Surdo no teu enlevo,
Quis crer em tanta coisa,
Tanta palavra, tanta promessa.
Tanta vida que em mim palpitava!
Ah! Quis crer que vivia...
Livre, sobrevoando o Paraíso...
Mas não...
Não há noite doirada,
Nem luar de fogo,
Não há dor de mel,
Não há certeza sem dúvida,
Não há surdo que ouça,
Não há promessa que sobreviva,
Não existo eu se tu não existires...
Assim, perto de mim...

SEM TÍTULO (1979)


Flui o rio vivo
Da minha alma.
Flui entre vales e planícies,
Brilha ao sol do meio dia,
Ao luar da noite.
Flui...Porém,
Não sabe onde ir,
Nenhum mar o espera,
Nenhum oceano existe
Onde possa, finalmente, dormir.

Debate-se com o lodo,
Enrola-se nele,
termina por lodo ser...
Estagna..

Perdido, calado, mudo,
O rio da minha alma
Jaz entre as margens.
Pedido, calado, mudo,
O rio da minha alma
Acaba por dormir
O longo sono eterno.

Porquê?

TU E EU (1979)


Para além
Da porta da minha alma,
Para além
Da chuva que me acalma,
Existe o mundo,
O monstro negro
De semblante pálido.
O Mundo...
Tu, Eu, a Vida..
Para além
Da porta da minha alma
Existe o caminho
Que me encaminha
Para um caminho
Que me desencaminha.
Para a Vida,
Para o Mundo...
Tu e eu...

SE PRECISARES, CHAMA-ME (1979)


Se precisares
De uma presença a teu lado
Mesmo irreal e vaga,
Se precisares
De um vento que agite a chama da tua vela,
Chama-me...

Se precisares
Que alguém grite aos teus ouvidos
O erro que elaboraste.
O engano que cometeste,
Chama-me...

Se precisares
De sol que alumie a tua noite fechada
De ternura para a tua alma endurecida,
Chama-me...

Se precisares
Que um dedo aponte a tua qualidade,
Que desfaça o teu defeito,
Chama-me...

Se precisares
Que alguém chore contigo,
Que ria contigo,
Chama-me...

Se precisares
Que chuva caia no campo seco e infecundo
Do teu coração,
Chama-me...

Se precisares,
Sempre que precisares,
Chama-me.

Eu estou aqui,
Sempre estarei aqui
Para me sentir chamada.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Praia (1978)


Pairava a névoa
Sobre o mar de prata,
Ondas lânguidas o ponteavam,
Suaves e murmurantes.
Traziam o lamento dos ventos,
Seus queixumes de brisa e tempestades.

Gaivotas, quantas gaivotas
A areia doirada pisavam,
Lugubremente piando.
Um choro compassado choravam,
As cabeças levantadas, as asas abrindo
Ao sol filtrado pelo nevoeiro cinzento,
Triste, traiçoeiro.

Sentinelas mudas
Semeadas no mar
Deixavam-se bater pelas vagas,
Deixavam-se bater,
Silenciosas, sob o tecto celestial, frias...
As rochas...

Lá longe, lâmina brutal, afiada
Separava céu e água:
O horizonte.

Perto, muito perto,
Um pedaço de embarcação
Corroído pelo tempo,
Jazia esquecido no areal.
Crianças, pétalas de flor jovem,
Nele brincavam e riam,
Enlevadas e infantis,
A pele tostada pelo sol,
Belas, juvenis.

Perto, muito mais perto ainda,
Um cachorro velho
De focinho melancólico e suplicante
Olhava-me.
Nos seus olhos mortiços
Lia-se o mar, o cinzento do céu, a vida.
A sua vida?

Sorri-lhe então.
Pus no meu sorriso a ternura
Que pelos homens não sinto.
Estendi a mão
Lenta e meigamente.
Fugiu.
Lesto no seu passo,
Com as grandes orelhas baloiçando.
Não quis a minha companhia
Continuando a correr,
Deixando marcas na areia molhada,
Assustando as gaivotas,
Ás ondas ladrando...
Vi-o afastar-se, mais e mais...

Sobre mim,
O sol libertara-se da névoa,
Ria agora,
Agora que já não me apetecia sequer sorrir...

Templo da Saudade (1978)


No templo da saudade
Arde uma ténue chama.
Olho essa chama
E vejo dias que não vivi,
Horas que desperdicei,
Gargalhadas que não ri,
Lágrimas a mais que chorei.

No templo da saudade,
Nesse solo sagrado,
Vejo um coração despedaçado,
Recordando o qe poderia ter sido,
O que podia ter feito,
O que podia ter sorrido.

Nesse templo da saudade,
O Tempo é o pregador,
o Ouvinte sou eu...
Pregador impiedoso
Ouvinte dele desejoso.

(sem título)1978


Não ou sim.
Bastará isso da tua boca ouvir.
Não ou sim!
Para que te fazes tardar?
Porquê estes dias de expectativa
Sem saber para onde me voltar?
Diz sim ou não!
Saberei atender, calada, submissa,
O bom ou o mau...
Diz sim
E haverá
Chuva no deserto mais árido,
Imagens nos olhos de um cego,
Prazer num torturado.
Diz não
E a sombra virá,
As fontes secarão...
Mas diz sim ou não...