quarta-feira, 1 de julho de 2009

(sem título)1980


E a vida é assim. Como um livro de capas brancas, sem título. Só desfolhando-o se apreende o que nele está escrito. Só vivendo a vida se apreende o que ela encerra em si. E é o nada ou o tudo o que se lê. E é o nada ou o tudo o que se vive.

E a raiva é assim. O imenso barco da Humanidade encalhado nos próprios recifes que cria.

(sem título)1980


Tuas mãos
Nas minhas mãos.
A minha vida
Na tua vida.

Quem sou eu?
Quem és tu?

A tua pele
Na minha pele,
A minha alma
Na tua alma,
Em ti.
Tu em mim.

Quem somos?

(sem título)1980


Chorei.
Há muito que não o fazia,
Há muito que o não conseguia.
Mas por fim chorei.
Com raiva, com desespero,
Com alegria.
Chorei pérolas de saudade
Que o mar não tem em si,
Lava ardente
De um vulcão que acordou por ti,
Correndo por ti
Que afinal não estás ausente.
Chorei.
Como criança?
Não.
Como mulher livre de chorar.

Chorei lágrimas suaves,
Mas de dentes cerrados.
Chorei de amor
Mas de punhos fechados.

Lágrimas suaves
Por ti.
Dentes cerrados pela dor.
Chorei de amor
Por ti.
Punhos fechados
Erguidos apenas contra mim.

Chorei.
E depois sorri.

(sem título)1980


Hoje saí pelas ruas
Perladas de gotas de chuva.
Vi vendedeiras apregoando,
Gaiatos sorridentes,
Cachorros de pêlo baço e triste,
Carros sujos,
Flores, peixe e fruta,
Montras enfeitadas,
Dinheiro tilitando,
Olhos de cobiça,
Mãos sedentas.

E vi-me.
Senti-me.
Irei-me.
Chorei-me.
Magoei-me.
Perdoei-me.

Agora,
Desejo que este Sábado
Seja uma bola de sabão.
Que rebente e desapareça.

PALAVRAS?NÃO. (1980)


Pesa-me a nostalgia
Ou o não poder esquecer
Dos sonhos que não sonhei.

Se é que não sonhei...

Pesa-me a melancolia
De ter dado o que dei
A quem nada merecia.

Se é que dei...

Mas agora sei que
Tempos belos são estes.
Estes que vivo.
Erguidos sobre alicerces de luz
Espreitando por entre nuvens
Tão transparentes como vidro.

Vida é isto.
Vida é o que sinto.
Sinto prata e ouro
E sou cofre de madeira tosca.
Mas não importa.
Só fogo me poderá destruír,
Reduzir-me a achas ardentes.
Mas a cinza ficará,
A prata e o ouro ficarão.
Eu não interesso
Porque vida é isto.
Vida é o amor que te tenho,
Que já não nego.

Alivia-me a nostalgia
Dos sonhos que te confiei
E que sonhei.
Alivia-me a alegria
De te ter dado
Aquilo que dar-te tentei,
De ter dado a quem merecia.
Agora sei.

Palavras apenas?
Não.

AMAR-TE (1980)


Amar-te no amanhã
Será percorrer
Atalhos de musgo fresco,
Palpitante de verdura,
Será vencer obstáculos de lírios,
Travar lutas de dor e júbilo.
Será olhar na noite
Um mundo transformado
Onde cada planeta é a alma
Na pessoa real do Universo.
Talvez...

Por ora, amar-te,
É existir de corpo e alma
Em ti, no teu corpo, na tua alma,
É trautear melodias esquecidas
Que finalmente regressaram,
É sorrir com os lábios
Que já o não sabiam fazer.
É viver.

Por ora e talvez para sempre, amor,
Amar-te é enfrentar a vida.
A vida que nasce em nós.
A vida que continuará em nós,
Se eu a deixar,
Se tu a deixares...

SEM TÍTULO (1979)


O tempo não passa.
As horas sucedem-se
Como longos reinados,
Pendendo dos ponteiros, impassíveis.
Os minutos arrastam-se
Quais vermes.
E na rua,
Cantando uma melodia
Que conheço e amo,
A chuva copiosa salpica o saibro.
Nas torres das igrejas
Os relógios são pedras sem vida.
É como se não existissem.
É como se eu e a minha pressa
Não existissem.
Tudo parece dormir.
Só eu estou acordada,
Olhando um céu de chumbo,
Quieta mas inquieta.
O dia não passa.
Como anseio pela noite!

SEM TÍTULO (1979)


Quase suplico
Que não seja um sonho,
Mais uma fantasia das minhas
Que tantas vezes tomam corpo em mim
Vivendo como realidades.
E a minha súlplica,
Este apelo rouco,
Vem do medo das sombras,
Das quimeras frustradas,
Do voo planado e lento
Que tu concretizas sobre o meu oceano
Até conseguires nas ondas poisar.

Quase suplico
Que não existas,
Que não tenhas rosto,
Nem olhos, nem mãos,
Que não sejas homem,
Que eu não exista também.
Que nada, nada exista
Para não podermos viver.
E a minha súplica,
Este pedido abafado,
Vem da amargura,
Da amargura
Que não me conheces.

E no entanto, amor,
É uma súplica
Destituída de calor,
Do ardor da oração.
È uma súplica suave,
Murmurada em tom baixo
Temendo ser ouvida.

Uma súplica de amor
Para amor te pedir.
Uma súplica de feita de amor,
De amor nascente, límpido,
Que brota como água de uma rocha,
Imóvel, numa montanha escarpada.

Mas fortemente suplico
Em voz bem alta e ardente
Que juntos fiquemos.
Existentes ou não,
Fantasia ou não.

Dá-me a tua mão.
Supliquemos os dois
Que nada seja sonho,
Que a própria súplica
Não tenha razão de existir.
Dá-me a tua mão
E sintamos amor.