sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

SOLIDÃO (1978)


A paisagem,
O esfarrapado nevoeiro
Que a esconde...
O céu que não vejo,
O seu aul que busco,
O sol que não me vê,
O aproximar-se do lusco-fusco...
Com eles
Encontro-me eu,
Coisa disforme,
Coisa que se consome
No próprio fogo que provoca,
Procurando assim
O seu fim.

Sim...
Sou farrapo humano,
Sou céu escondido
Dos olhos que me procuram...
Sou sol prisioneiro,
Sou a noite escura
Perdida na sua própria negrura.

DESEJAVA SER (1978)


Desejava ser
Qualquer coisa que não existisse,
Talvez o branco preto
Ou o claro escuro.

Desejava ser
O dia nocturno,
A noite diurna,
O alegre taciturno,
Um segundo com minutos,
Uma árvore estéril com frutos.

Desejava ser
No ódio amada,
Ser cega ever,
Estar morta e viver.

Desejava ser
Um real fantasma vagueante
Pelas noites adiante...
Oh, como desejava ser
Uma fada
E uma alegria rara criar
Para minha mágoa cessar...

Desejava ser
Um ser não existente....

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

ÉS RÉU (1978)


Estás a ser julgado
No tribunal do meu espírito.
Os clamores da minha alma ouvem-se,
Discute-se a sentença
Para que a justiça vença.

Tu estás no banco dos réus,
Os teus medos cobrem-te como véus.

Como te odeio,
Como desejo ver-te morto,
Como me sinto mal
Em ver-te no meu tribunal!

O meu ressentimento é superior à justiça,
Como a chicotada à carícia.
O teu nome não quero mais ouvir,
Teu rosto desejo ver desfigurado
Pela dor e um torturado.

Como te odeio,
Como te odeio!

És cobarde
E eu...
Odeio-te!

NÃO DEVIA (1978)



Meu pranto é música
Maltratando as pautas do meu pensamento,
Fazendo do meu rosto desarmonia,
Da minha vida uma pantomina...
Eu não queria...

Sou
Aquilo que não devia,
Dos outros destoando
A começar pelo meu pranto.

Senti já do suicídio o sabor,
Tive a Morte nas minhas mãos,
Tive pela Vida desamor,
Sentimentos vãos...
Eu não queria...

Voou minha mente
Por mundos negros
E igualmente desconhecidos,
Onde havia vencidos
E também suicidados,
Vítimas de maus fados...

Mas vieram as chamas
Ardentes como dragões,
A vida tornou-se fogo
Para eu atear,
Para eu de novo me queimar..

Larguei a morte então,
As pílulas cáiram no chão...
Não sei o que me salvou:
Se o medo se o ódio,
Não sei o que me segurou
Como o galho a folha,
Como mar a água..

Larguei a Morte.
Fiz...
O que não devia.

PAZ (1978)


De novo
Esta paz embargadora
Que meus olhos fecha,
Que minha boca cala.
Esta paz tentadora
Que meu espírito chama
E que meus gestos ameniza...

Seja eu merecedora
Desta paz aliciadora
Que é capaz
De mudar a sangrenta dor
De um mundo devastador.

Seja eu merecedora
Desta paz prometedora
Que com ela traz
O sabor do perdão.
A necessidade e uma confissão...

Seja eu merecedora
Desta paz reformadora
Que meu ódio afasta,
Que o amor com ela arrasta...
Paz...

O SABOR DO FRACASSO (1978)


Sinto em mim
A germinar,
A crescer,
A semente da tranquilidade.
Sinto em mim
A aumentar,
A florescer,
A semente do acto de tudo esquecer...

Fecham-se-me os olhos,
Já tudo é um vazio,
Já nada desafio...
O corpo desliza pela cadeira...
Tornei-me uma feiticeira,
Pois como numa magia
Tudo é paz,
Tudo é calma,
Por fim...
Na minha alma,
Em mim.

Não sinto amor ou ódio,
Nem o entusiasmo pela alegria.
Nada me altera.
Nada meu coraçao acelera.
Sou eu,
Por fim...

O ser que nasceu
Para poder viver
E que vive para morrer.

Tudo é paz,
Tudo é calma,
Por fim,
Na minha alma,
Em mim...

Será isto sono?
Será cansaço?
Ou a chegada do Outono?
Talvez o último sabor do fracasso...

domingo, 14 de dezembro de 2008

VER (1978)


A flor que desabrocha, eu vejo.
O bébé que nasce, eu vejo.
O sol que brilha, eu vejo
O lar feliz, eu vejo.
Um parzinho amoroso, eu vejo.
A primavera, vejo.
As mãos unidas, vejo.
A fraternidade, eu vejo.
A esperança, vejo.

A flor que espezinham, eu vejo.
O feto que não deixaram viver, eu vejo.
A tempestade que destruiu lares, vejo.
A família desfeita, vejo.
O ódio a dois, eu vejo.
Os punhos erguidos, eu vejo,
O egoísmo, eu vejo.
A morte de tudo, eu vejo.

E no fim disto tudo,
Farta de ver e olhar,
Pergunto-me para que raio existo
E se há um Deus para amar...

AMOR (1978)


Amor
É aquele nada que se sente
E que ignorar queremos.
É o pouco que se dá,
Recebendo em troca
A recompensa
Do pouco que se deu.

O amor
É tudo...menos tudo.
O amor
É a irrealidade real,
É o choro que ri,
É uma dor saudável
Que sempre dói demais um pouco.

É o saber sentir
Aquilo que se sente sentir,
É o caçador caçado,
É o deixar-se ir
Embalado pelo vento suave
Ou pelo furor de uma tempestade.

Amor
É aquilo que sempre gira
E nos faz girar.

Amor
É sermos irmãos,
É unir as mãos,
Esquecer o ódio,
Respirar
E penetrar no desconhecido.

EU E ALGUÉM (1978)


Olhas para mim
Como que apenas olha,
Sou alguém
Que passa na rua
E que nalgum lado mora.

Passas por mim
E eu por ti...
No outro dia
Não te lembras
Que me viste e que te vi.

És um velho senil
Ou um jovem alegre,
Mas és um entre mil,
És o vento que segue.

Meu caro, a vida corre.
Nem sequer recordar podemos.
Que pára, morre,
E nós viver queremos.

O mundo gira sempre
E nós com ele.
Não há tempo para olhar.
Aquele que passou...
Passou!

CONHECEM? (1978)


Vai para a rua
Olhando de lado
Para quem passa,
Seguindo seu mau fado.
Sua vida é uma farsa.
De saia roçada,
Cabelo mal penteado
E de má fama marcada,
Olhares maliciosos atrai,
Sua honra trai,
Prostituta é...

Farrapo humano
Que os outros fizeram.
Ser profano
De olhos cansados
Das noites sem sonhar.
De cigarro na boca,
Encostada à esquina
Daquela ruela fria,
Imagina o que seria a sua vida
Se fosse rica,
Se não houvesse tanta avareza,
Se não existisse tanta tristeza.

De cigarro na boca,
Desconhece o ópio ou a morfina,
Mas sabe que dará em louca
Se não mudarem sua sina.
Muito cedo
Sem carinho ficou,
Seu azar começou.
Qual a sua história?
Igual a muita é,
Mas ela guarda-a na memória
E já perdeu toda a fé:
Um dia
Em que o Sol nascia
Mirou-se ao espelho...
Tinha cabelo castanho,
Olhos verdes,
E tinha fome,
E tinha frio,
E era pobre.
Seu leito era palha,
Sua comida apenas pão.

Então...Vestiu saia curta,
Os olhos pintou,
Chamaram-lhe prostituta
E o nome ficou,
Recebe dinheiro,
Seu corpo entrega,
Seja belo ou feio,
Os homens, nunca os nega.

Também não nega
Que foi olvidada
Por esta sociedade somítica
E mal organizada
Tanta crítica,
Tanta palavra...
Mas todos esquecem
A pobre prostituta
Que vestiu saia curta...

E de cigarro na boca,
A chamada sem pudor
Continua a vida de louca,
Sem prazer e sem amor.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

ECOS FALSOS (1978)


Estou a ouvir
Aquilo que não queria ouvir.
Ecos loucos
Das minhas palavras
Ao dizer-te
Que neste mundo
Eu queria viver,
Esquecer e respirar,
Jamais morrer,
Jamais minha vida acabar...
Estou a ouvir
Aquilo que não queria ouvir.
Ecos loucos
Dos meus poemas
Dizendo-te que por fim
Alguém espera por mim.

Não, não...
Que cessem esses ecos,
Que cesse já bater do meu coração.
Deixem-me ir
Para o eterno,
Para o desconhecido,
Para a terra...
Para Deus
Se ele existir.
Quero dizer-vos adeus...
Por favor, deixem-me ir...

MONOTONIA (1978)


Ler e reler
Letras e tretas,
Livros e Camões,
E saber
O que são cometas
E ampulhetas.

Estudar e ruminar
Histórias verdadeiras,
Autênticas pepineiras!
Saber Inglês,
E também Francês.
Saber contar
Um, dois, três,
Que é coisa de pasmar!

Eis a minha vida
Do belo foragida,
No real enterrada
E pelos livros ceifada...

COBARDE? (1978)

O soldado atirou,
A bala impiedosa partiu
Com destino marcado
E em alguém acertou.
Em quem?
Noutro soldado
Que quis desertar
Para não mais matar
Quem não via no outro lado.

A guerra...
Grande fera...
Obriga a inimigos serem
Aqueles que nem se odeiam.

A luta cessa então um pouco
Pois o sol desapareceu,
E há quem reze
Para não dar em louco...
Outro soldado pergunta
Qual a razão pela qual mata
Quem não conhece,
Quem nem sequer lhe fez mal...
Sim, de que vale?
Do alto, alguém responde:
"É teu dever
Tua Pátria defender!"
Mas o soldado não quer,
Tem um filho e mulher,
E a eles que amar.
Não quer matar
Uma simples sombra no luar...
Quer largar a arma,
A Morte que traz na mão,
O triste dever que manda no seu coração.

E deserta por fim.
O soldado foge à guerra.
É então
que cobarde lhe chamam.
Cobarde
Por não odiar,
Por não disparar,
Por não matar,
Da Morte fugir
E tornar a sorrir.

O MEU OLHAR (1978)


O meu olhar
Em ti pousa
Como se fosses coisa vaga
Sem interesse, sem nada.

O meu olhar
É já um olhar aliviado
Um olhar que se libertou
D teu domínio poderoso
E de um jogo perigoso.

O meu olhar
Já o teu ignora,
Já o teu esqueceu.
Agora o que importa
Sou eu,
O meu novo olhar,
A vida que possuo para viver.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

TEUS OLHOS (1978)


Teus olhos são azuis,
Mais azuis que o mar,
Tão profundos
E tão fáceis de apreciar...
Profundos como um vácuo,
O vácuo maravilhoso da Morte.
Seria uma sorte
Se eles me olhassem assim
Invejosos, arrebatadores,
Como me olha a Morte.

Teus olhos são azuis
Mas deles pouco sei.
Apenas que são teus,
Que teus são,
Mas meus não,
Nunca os terei.

O QUE FOI? (1977)


Olha...
Foi um despertar lento
Para uma diferente vida,
Foi o crescer de um rebento,
O nascer de uma alma ferida.

Foi o despertar da dor,
O murchar de uma flor,
O começo da confusão,
O apresar de uma ilusão.
Foi o princípio de um amor
Que se intitulava de rancor.
Foi o castigo de um falso desprezo
Que nunca teve começo,
Foi o meu coração calar
Para nunca te dizer
O que é adorar
E sempre sofrer.

O que foi?
Olha...

Foi o meu triste chorar,
Muito baixinho,
Com muito jeitinho,
Para ninguém ouvir ou suspeitar.

Foi o ter de te esquecer,
Para não mais padecer.
Foi aos outros murmurar
Que jamais tornaria a amar...

Foi o depois te esperar
Àquela hora, sempre,
E ver-te por fim passar
De um modo indiferente.

Foi o findar de tudo
O findar de um começo.
Mas sobretudo
Foi pagar um alto preço.

Mas nem amor era...
Apenas ilusão...
Foi a chegada da primavera
Florescendo no meu coração.

O que foi?
Olha...
Foi algo
Que de Vida
Tomou nome

A TI, A TODOS (1977)


Talvez fosse feliz
E talvez não,
Mas tudo o que quis
Foi que lhe dessem a mão.

Mão essa
Nunca lha deram,
Acharam ser conversa
E nada fizeram.

Talvez eu fosse feliz
E talvez não...
Tudo o que quis
Foi ter coração.
Coração me negaram,
Nem alma me deram,
E só agora repararam
Naquilo que me fizeram...

Mas agora é tarde,
O mal está feito.
Nem a Amizade
Eu já aceito...

AMOR (1977)


Lábios que se unem,
Corações que batem,
Sussurros que se ouvem.
Maõs que se movem
Num espaço quente,
Jurando um eternamente.
Corpos que primeiro exaltam,
Mas que se cansam,
Mas que se fartam...
Sim, corações batendo,
Primeiro juntos,
Depois cedendo
A abismos fundos...
Tudo acaba por fim,
Já nada é um sim.
Tudo é traição,
Tudo se torna um não.

Amor...
Ilusão ridícula
De um ser
Iludido pela Ilusão
Que é Viver.