terça-feira, 10 de janeiro de 2012

AO MEU FUTURO NETO

por Laura Sarmento a Domingo, 19 de Dezembro de 2010 às 22:54
Sabem?
Sabem aqueles corais rosáceos e luminosos
Que flutuam docemente em águas transparentes e quentes
Num qualquer mar tropical?
Ouvem?
Aquele tiquetaque de coração,
Um bonequinho de olhos fechados´
E dedo na boca,
Qual imagem de livro de mamã
Que imagina o filho no seu ventre líquido,
Desfolhando ela as páginas num deleite só seu
E  que os demais só conseguem vislumbrar sem sentir?
Imaginam?
Um baile de algas transparentes e  entrelaçadas que dançam
Ao som de uma melodia ritmada de um oceano
Calmo e silencioso?
É ele...
Sangue do meu sangue
Que sem nascer já é,
Que sem o ver já o conheço,
Que sem estar já permanece.
E só a ele devo as minhas lágrimas e o meu riso
Que os outros
Num livro de capa dura e folhas brancas
Só conseguem vislumbrar sem sentir.

FINALMENTE


por Laura Sarmento a Terça-feira, 6 de Dezembro de 2011 às 0:03
Foram breves segundos...
Um pequeno barulho metálico, cá dentro.
Eu ouvi e senti.
As grilhetas libertaram-me finalmente a alma.

Olhei-me no espelho interior
E vi um reflexo diferente.
Estou de novo em liberdade,
Passo por cada dia devagar, saboreando.
Ganhei o direito de tornar a gritar
E a fazer desse grito
A bandeira desfraldada nas mãos cansadas
De quem já desistiu.

Eu ainda não desisti.

Acabou o meu exílio forçado e silencioso
No castelo de Ninguém,
Na Terra do Fracasso.

QUE É FEITO DE MIM?


por Laura Sarmento a Quinta-feira, 13 de Outubro de 2011 às 23:49
Saturada, eu já acordo,
Olhando um horizonte de linha indefinida.
Canso-me de mim mesma e de me ver cansada,
E achava melhor nem ver horizonte algum.
Que é feito da garra e do grito,
Do peito feito para a luta,
Sorrindo desdenhosa para as algemas de pensamento
Que nunca me conseguiram prender?
Que é feito das palavras contrárias ao sistema
Que sulcavam o meu caminho,
Me iluminavam a estrada até chegar a melhor
E gritavam por quem não pode?
Que é feito de mim?

Gaveta fechada


por Laura Sarmento a Domingo, 3 de Abril de 2011 às 23:38
A gaveta está fechada.
Olho para ela como se fosse transparente
Esperando ver movimento no que lá sei que guardo.
Mas nada mexe, nada se agita.
Falta de ar e luz mataram a vida
Lá dentro.
Está fechada, eternamente não sei.
Guardei a chave e esqueci de lembrar onde a escondo.
Quero teimosamente a gaveta fechada
Num acto de vingança rebelde contra desconhecidos.
Lá dentro,
Sem ar e sem luz,
Pereceram sonhos, planos
E um futuro que desisti de desenhar
Com as cores de quem acredita.

O dia em que o Mundo enlouquec


por Laura Sarmento a Quinta-feira, 17 de Março de 2011 às 20:43
De manhã, bem tarde
Entreabre as janelas e respira,
Deleitando-se com o cheiro a queimado e ar rarefeito.
Olha o céu cor de chumbo e congratula-se,
Um esgar de sorriso desenhando-lhe os lábios:
Finalmente!
Aquela bola irritante amarela e quente
Mal se divisa entre o nevoeiro que paira
Na imensa cidade de betão.

Baixa o olhar e descansa a vista
Nos semblantes enigmáticos dos transeuntes,
Naquele corre corre ao som do tiquetaque
De relógios pendurados ou de pulso
Atravessam a rua ao mesmo tempo que carros,
Sem leis, sem direcções obrigatórias, sem rumo.
Caminham porque é dia.
No escuro, deitam-se de olhos abertos num sono que não vem.
Maravilha.
Finalmente, já não há que ter medo de ultrapassar o limite,
Num mundo sem limite,
Onde tudo foi ilimitadamente autorizado
Durante tempos que consideraram sem limite.

Fecha a janela sem vidros,
Fica sozinho a um canto de um lar sem paredes,
E devora-se a si mesmo avidamente
Numa fome de alma e de existir.

Vazio Preenchido

Vazio Preenchido

por Laura Sarmento a Sábado, 5 de Março de 2011 às 18:12
Eu consigo moldar o vazio.
É fácil..
Pego nele como quem pega num recém nascido,
Embalo-o devagarinho
Ao som de uma melodia qualquer.
E se nesse vazio eu vislumbrar
Um pequeno nada de ti,
Aperto-o ainda mais contra mim,
Sorrio-lhe e falo com ele.
Rego-o de lágrimas até nascer uma flor
E já não estou sozinha.
Nunca estarei sozinha se na escuridão do meu vazio
Eu encontrar pequenos pedaços de ti
Que se me entrelaçam na alma
Fundindo-se em mim
E tecendo uma rede
Que não me deixará jamais cair.

O MEU DESERTO


por Laura Sarmento a Domingo, 20 de Fevereiro de 2011 às 15:35
Aparentemente estéril,
Silencioso e dolorosamente perturbador.
Deserto aprendi a ser
Para esconder mágoas que quero enterrar,
Memórias que já não o podem ser,
Sentires que o vento em tempestade espalhou
Pela areia escaldante.

Esperando a hora do escorpião
Num círculo de fogo
Assim determinadas palavras e pessoas
Por mim são agora acolhidas
Neste meu deserto cansado de falsos oásis...
Vejo o círculo fechar-se sobre eles
Até ao golpe mortal.
E não tenho pena.

Lá longe, o horizonte do deserto,
Do meu deserto sem fim.

Tu sabes (a propósito de uma foto)

por Laura Sarmento a Domingo, 24 de Outubro de 2010 às 22:47
Tu sabes
Tudo aquilo que a minha boca cala,
E os meus olhos não omitem.
Apanhas a minha tristeza nas tuas mãos,
Fechas essas mãos em concha
E embalas a minha mágoa como a um passarinho ferido
Que tratas e depois libertas,
Ansiando que ele torne a voar.

E eu adoro a concha das tuas mãos
Onde a minha dor apazigua
E por onde deixas passar résteas de luz,
Pulsar de energia,
Para curar a minha ferida.

Tu sabes
O que a minha boca cala
E os meus olhos falam,
Pois conheces o meu silêncio
Como as palavras que não te digo.